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O agronegócio nasceu no Brasil

livro História da riqueza no Brasil, escrito por Jorge Caldeira e lançado no final de 2017, muda o eixo da interpretação do país, na visão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. À luz da econometria, que utiliza a aplicação de métodos matemáticos e estatísticos a problemas de economia, Jorge contraria os clássicos e afirma que o mercado interno gerou mais riqueza ao país do que as grandes lavouras exportadoras. Para o jornalista, a relação de troca entre o colonizador europeu e o nativo brasileiro, que mais tarde tornou-se uma relação comercial com o advento das vilas e de seus armazéns, foi nada mais nada menos do que o embrião do moderno agronegócio do país, que por aqui brotou primeiro. “O primeiro grande negócio que se estabeleceu no Brasil foi a troca de ferro por produtos naturais”, conta.

 

O escritor e jornalista Jorge Caldeira (Foto: Fabiano Accorsi)

GR Fernando Henrique Cardoso comentou que seu livro muda o eixo de apreciação da história brasileira. Ele é diferente de obras conhecidas, como a de Caio Prado Júnior, um ícone da historiografia que sustenta que a economia era basicamente de exportação de matéria-prima. O livro contraria o conhecimento clássico?
Jorge Caldeira De fato, a historiografia clássica não considerava muito o lado interno da produção brasileira. No caso da agricultura e da vida rural do Brasil, tudo o que é sertão é mal contado. A vida rural no Brasil tem uma peculiaridade muito grande no Ocidente. A natureza aqui é diferente e quem detinha o conhecimento tecnológico e a capacidade de operar eram os nativos, especialmente os tupis. O impacto do conhecimento tupi foi decisivo: milho, feijão, tabaco, algodão, amendoim eram cultivados na América e desconhecidos no resto do Ocidente. Também todo o processamento da mandioca. Os europeus que vieram para cá morriam de fome diante de um monte de alimentos. Dependeram então do conhecimento tupi para se estabelecerem. Isso exigiu uma troca de tecnologias. O primeiro grande negócio que se estabeleceu no Brasil foi a troca de ferro por produtos naturais, e o pau-brasil foi o primeiro deles.

 

GR  Fernando Henrique Cardoso comentou que seu livro muda o eixo de apreciação da história brasileira. Ele é diferente de obras conhecidas, como a de Caio Prado Júnior, um ícone da historiografia que sustenta que a economia era basicamente de exportação de matéria-prima. O livro contraria o conhecimento clássico?
Jorge Caldeira  De fato, a historiografia clássica não considerava muito o lado interno da produção brasileira. No caso da agricultura e da vida rural do Brasil, tudo o que é sertão é mal contado. A vida rural no Brasil tem uma peculiaridade muito grande no Ocidente. A natureza aqui é diferente e quem detinha o conhecimento tecnológico e a capacidade de operar eram os nativos, especialmente os tupis. O impacto do conhecimento tupi foi decisivo: milho, feijão, tabaco, algodão, amendoim eram cultivados na América e desconhecidos no resto do Ocidente. Também todo o processamento da mandioca. Os europeus que vieram para cá morriam de fome diante de um monte de alimentos. Dependeram então do conhecimento tupi para se estabelecerem. Isso exigiu uma troca de tecnologias. O primeiro grande negócio que se estabeleceu no Brasil foi a troca de ferro por produtos naturais, e o pau-brasil foi o primeiro deles.

 

 

GR  Foi a partir dessas trocas que  começou a produção agrícola?
Caldeira  O processo de troca é o que estabeleceu a vila de fronteira, a ocupação de fronteira, um processo que existe até hoje no Brasil junto a garimpeiros, a mateiros da Amazônia. Eles fazem trocas como em 1.500 no litoral. Ao longo de todos esses 500 anos e até hoje, as trocas com os nativos são uma das bases de ocupação do território e da produção agrícola no Brasil. Logo em seguida a isso, começou uma produção para exportação de cana-de-açúcar. Em 1532, já tinha engenho em São Vicente. Era uma produção mista. Algo cultural que não era propriamente português, era do Mediterrâneo, que Portugal tinha adaptado na África, nos Açores, na Ilha da Madeira, especialmente, e que trouxe para o Brasil.

GR  Essa produção era destinada à exportação?
Caldeira  Essa cultura não era para ser de consumo local, e sim para a venda como mercadoria no continente europeu. E, no bojo da implantação dessa estrutura, que começou em pequenos espaços e depois acabou se estendendo, chegou a mão de obra africana. O que acontece no berço, no DNA, na primeira célula da vida brasileira? Uma mistura de cultura local, a ideia de que a produção agrícola é negócio, que era absolutamente inexistente na cultura europeia, onde a produção agrícola era tradicional, feita com relações de produção que não eram de negócio. Só se trocava um pouco do excedente. Aqui, a cultura da cana era toda para ser vendida fora, a exportação do açúcar então já era um negócio. E foi o primeiro lugar onde a produção agrícola juntou gente do planeta todo, da África, da Europa e da América, criando assim uma cultura que era de agronegócio na nascença, misturada com essa cultura de troca com os índios. Você pode usar de cara o termo agronegócio.

A história clássica não considerava muito o lado interno da produção brasileira

GR  O agronegócio começa no Brasil, e não na América de um modo geral?
Caldeira  Tinha um pouco de engenhos na América hispânica também, mas o Brasil desenvolveu isso muito mais que a América hispânica. O engenho brasileiro era um engenho industrial, enquanto o engenho hispânico era artesanal. E era industrial por causa do jeito de usar os escravos e combinar com o abastecimento que vinha das trocas com os índios, caso da mandioca. Depois, veio a pecuária, em 1549. Toda essa estrutura é montada muito cedo, e combina o que tinha da produção nativa com a chegada de europeus e a ideia de que a agricultura é negócio. O Brasil é pioneiro mundial em tudo isso. É a marca da vida brasileira.

GR  Muita gente pensa que o índio fazia trocas de espelho por ouro, por exemplo. Então o bem agrícola também tinha valor?
Caldeira  O modelo que a gente tem da troca com os índios é o que se chama roça. É um termo que se utiliza até hoje. A roça era um modo que os índios usavam para criar as frentes pioneiras e para se alimentar. Então, quando eles iam fazer uma viagem muito longa, digamos de São Paulo para o atual Estado de Mato Grosso, antes da partida ia gente na frente e plantava roça de mandioca para as pessoas irem colhendo no caminho. A ideia da roça como uma coisa pioneira ou como um centro de alimentação ou de produção de cultivares já era da cultura nativa. Depois, surgiram os armazéns.

GR  E onde entram os latifúndios?
Caldeira  Entre os fazendeiros, alguns poucos eram latifundiários. A vida do fazendeiro era escravista, mas o latifúndio é uma exceção produtiva e quantitativa na vida brasileira colonial. É até hoje. Os grandes latifúndios da pecuária não exportavam carne até o século XX. Era tudo destinado ao interno. Já existiam grandes produtores de carne, de milho, arroz, algodão, etc., antes de tudo isso ser exportado.

GR  Então por que o foco dos estudos sobre a riqueza é sobre as exportações de primários?
Caldeira  Tudo que eu falei só pôde ser contado depois do advento do computador. Nada nessa história estava ao alcance dos estudiosos do tempo anterior porque toda a história que contei exige processamento de dados de censos por computador. À mão ninguém podia processar. Então, a interpretação possível do censo de 1820, por exemplo, só teve a riqueza de análise que teve quando o levantamento inteiro foi para o computador.

A ideia da roça como um centro de alimentação era da cultura nativa. Depois surgiram os armazéns

GR  Nessa análise entra a econometria?
Caldeira  A econometria foi criada pelo economista Robert Fogel basicamente, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1993, mas o primeiro trabalho que ele publicou foi em meados da década de 1960. Ela  é filha do computador. Tudo isso é recente no mundo, não estava ao alcance. O historiador não tem ideia do que é ler a documentação de um censo local. Nenhum deles tinha a mais vaga possibilidade de contar essa história porque, quando se falava de latifúndio, por exemplo, as pessoas achavam que de fato aquilo era o centro de tudo. Mas, quando você vai ver nos censos, constata que  é a minoria. Salvador tinha 110 engenhos em 1600 e 4 mil proprietários, empresários plantadores de cana, tabaco, fora os pecuaristas, numa população de 100 mil pessoas. Estamos falando de produtores que vão desde o índio até esse intermediário que ainda é pequena propriedade. O latifúndio reunia só um centésimo da população escrava.

GR  A participação do campo na nossa história é maior do que se pensava?
Caldeira  O campo era o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil até a Primeira República, até o século XX. Não dá para calcular porque PIB é um conceito do século XX, mas o grosso da produção econômica brasileira e do que se projeta para trás era a produção agrícola até o século passado.

GR  Apesar da produção voltada para o mercado interno, valoriza-se mais a produção tipo exportação. Como vê isso?
Caldeira  Boa parte da soja e do café é consumida aqui dentro. Quer dizer, a agricultura brasileira tem uma vocação global, mas o grosso da produção agrícola é consumido no Brasil, não é exportado. Exporta-se uma fração pequena. O mercado interno é muito significativo, talvez muito maior do que o de exportação. No caso do leite, quase 100% da produção é consumida aqui dentro.

GR  Mas prevalece a ideia de que o país produz para exportar e de que a riqueza não fica no Brasil.
Caldeira  Um outro corolário das interpretações tradicionais é que riqueza é gerada só na exportação e o resto era subsistência. Daí a noção de que riqueza era só o que se exportava, de que só existia economia monetária com o embarque de  mercadorias. Não era assim. O grosso era consumido aqui dentro mesmo.

Fonte: revistagloborural.globo.com

 

 

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